11 de janeiro de 2012

O pregador, o Mendigo e Jesus

Por Hudson Almeida,
numa noite em meu pensamento



Tá o pastor, no ponto de ônibus, aguardando o coletivo para seguir em frente após mais um culto na campanha “7 dias para prosperar”. O religioso sempre pegava o último ônibus rumo à sua modesta casa devido ao fato de ser o último a sair do templo. Propositalmente o fazia. Tinha vergonha de ser visto pelos membros entrando num ônibus.

Sozinho, aguardava a chegada daquele que o levaria até o seu lar (terreno). E ali, num protelar tedioso, vê um mendigo noviço – pois não o vira naquele ponto antes – aproximando-se com sua latinha de moedas atestando ter intenção de conversar.

Mendigo – Olá Pastor.

Pastor – Oi

Mendigo – O senhor é pastor da “Igreja Evangélica Conservadora Neo-Reformulada no Contexto Global”?

Pastor – Não. Sou da “Igreja Evangélica Conservadora Neo-Reformulada do Reino Dispendioso em Vida”.

Mendigo – É que os nomes são parecidos!

Pastor – Mas nós somos diferentes em vários aspectos teológicos de suma importância ao contexto cristão.

Mendigo – Eu sei. Hoje em dia as divergências relativizadas são motivos para o surgimento de novas congregações.

Pastor – Hã?

Mendigo – O que?

Pastor – Você já foi crente?

Mendigo – Eu sou.

Pastor – Mas assim, mendigando?

Mendigo – Eu posso ser Jesus, disfarçado de mendigo, testando sua caridade.

Pastor – Meu filho, eu não tenho nada pra te ofertar. Infelizmente meu dinheiro está no banco e só tenho o Rio-Card aqui.

Mendigo – Mas eu não entendo Pastor.

Pastor – O que?
Mendigo – Hoje no culto, o senhor falava da campanha “7 dias para prosperar” e desafiava os ouvintes a crerem que iram ficar prósperos em todas as áreas de sua vida.

Pastor – Sim, e?

Mendigo – Bem, é que o senhor não me parece do tipo próspero. O senhor utiliza ônibus, tem rio-card, não tem uma pratinha pra abençoar o pobre mendigo...

Pastor – Pois saiba que você também não me parece ser mendigo.

Mendigo – Por quê?

Pastor – Bem, seu português é bem mais correto que o da média brasileira, sua argumentação é peculiar a oradores experientes e seu conhecimento de causa é bem mais amplo que o de um mero observador de rua.

Mendigo – Mas eu sou mendigo sim. Não tenho onde morar, o que vestir ou o que comer. Vivo das esmolas que ganho durante o dia.

Pastor – Mas eu também sou próspero sim! Tenho uma linda família, um bom emprego, paz no coração e uma mente guiada pelo espírito.

Mendigo – Ah, mas eu estou falando da outra prosperidade, reverendo.

Pastor – Só conheço uma.

Mendigo – Não foi isso o que o senhor disse no sermão hoje.

Pastor – Anda assistindo os meus sermões?

Mendigo – Sentado na calçada o reverb me alcança.

Pastor – Olha você só pode estar me testando mesmo.

Mendigo – Eu lhe disse.

Pastor – Toma aqui um trocado, e tenha uma boa noite.

O mendigo pega sua esmola, dá alguns passos e pára virando-se para o pastor.

Mendigo – Pastor, não se preocupe, eu não sou Jesus.

Pastor – Por via das dúvidas, não é bom arriscar. Não me surpreenderia se fosse.

Mendigo – Pois eu sim. Sempre ouço dizer que vocês são os representantes de Jesus aqui na Terra. Mas hoje eu comprovei que isto não é bem assim.

Pastor – Está insinuando que eu não tenho Jesus?

Mendigo – Não é isso. Só acho quem parece com Jesus deveria pregar o que vive e viver a realidade do que prega.

Pastor – O seu problema é por eu não ter um carro do ano, uma mansão ou muito dinheiro no bolso né?

Mendigo – Não, não. É que há nove dias eu venho assistindo a campanha de 7 dias para prosperar e nada mudou em minha vida.

Pastor – Mas meu filho eu...

Mendigo – E nem na sua pastor. Boa noite.

Sai o mendigo. Chega o ônibus e o pastor, perplexo, sobe no coletivo e senta no banco da frente, pensando em sua vida, suas mensagens e se o mendigo realmente era ou não o próprio Jesus.