1 de outubro de 2010

A famosa (in)justiça social

Não pude deixar de notá-lo, mesmo envolvida com a leitura de Bechara. Ao entrar no trem ficou “preso” na porta, pensei eu que poderia machucar-se, não sabia que assim como eu bebo águia, ele se esquiva da porta do trem todos os dias, e o mais triste é que não são só essas portas que se fecham pra ele.

O grito era enlouquecedor: - Três serenatas, um real, três serenatas um real, ele bradava enquanto se locomovia pelo “cara-de-lata” da supervia. Eu, absorta em minha bolha praguejei: - Impossível estudar nesse lugar. Mas logo me esqueci do rapaz e concentrei-me novamente na leitura, exatamente no tópico “Tradicionalismo e mudança”. Não tardou muito para que chegasse ao meu destino. A aula de Redação Jurídica muito me animou. Discutimos a questão ambiental e a mudança de paradigmas referentes à escassez dos recursos naturais. Falou-se muito das pessoas desfavorecidas social, cultural, e economicamente, dos ditos “dominados”, que pouca informação possuem e em detrimento disto desconhecem muitos de seus direitos e deveres, não sabendo também como requerê-los.

Devaneei no decorrer da aula sobre a injustiça social, sua origem, suas conseqüências, e suas possíveis soluções. A nenhuma conclusão cheguei. Até que de volta ao trem, desta vez lendo Helênio em sua dissertação sobre o correto e o incorreto na linguagem, eis que ouço novamente aquela voz que outrora muito me incomodara: - Três serenatas, um real, três serenatas um real. Levantei os olhos, que até então permaneciam baixos e envergonhados, e compreendi, sentindo mais próximo a mim do que minha própria respiração, o que era a injustiça social, e como ela se configurava ali, bem na minha frente.

Enquanto aquele rapaz que aparenta ter a mesma idade que eu, passou a noite esquivando-se de portas, gritando “serenata, um real” pra ganhar por dia, talvez menos do que eu gastei hoje no Habib’s. Essa Juliane um tanto quanto idiossincrática, estava em uma Universidade estudando a lei, ficando a par de seus direitos e deveres, desenvolvendo seu intelecto, e também, praguejando contra um irmão da mesma cor, da mesma idade, e ideologicamente “separado” por um infinito de baboseiras que chamamos carinhosamente de critérios socias,assim como a cor da pele, o nível de escolaridade, a boa aparência, etc... Talvez ele nunca descubra o que eu aprendi em uma noite, e se o fizer, talvez nem consiga transliterar em uma folha de papel a dor que sente, porque até isso lhe foi negado.

Juliane Ramalho


“O homem é o lobo do homem” (Thomas Hobbes)


Um comentário:

Anônimo disse...

A (in)justiça social está dentro de nós e a culpa é nossa, é preciso que haja uma transformação em nosso espírito e em nosso coração. É bom saber que existem pessoas que reconhecem seu individualismo, que reconhecem quando estão agindo em função de seus interesses pessoais e exercendo um juízo errado das pessoas/coisas que estão ao seu redor.